O Pior Vizinho do Mundo – (Contém muitos spoilers)
- Nivaldo dos Reis
- 3 de nov. de 2024
- 5 min de leitura

O filme é uma regravação de uma produção sueca de 2015, intitulada “Um homem chamado Ove”. A filmagem atual tem título em inglês que na tradução literal se chamaria “Um homem chamado Otto”, mas, não sabemos porque ganhou o título de “O pior vizinho do mundo”.
Na trama Tom Hanks interpreta um personagem de 59 anos chamado Otto. É um velho chato, rabugento, que reclama de tudo, que tem hora para tudo, que foi deposto do cargo de presidente da Associação de Condomínios de sua região, mas, continua a checar todas as normas e regras do condomínio onde mora. Transforma-se naquele condômino indigesto que fica checando se os recicláveis estão nas lixeiras corretas, se os carros estão estacionados nas vagas permitidas, não quer conversa nem interação com ninguém, e para o qual todos os outros que não tem a mesma opinião que a dele são simplesmente idiotas.
Otto foi “aposentado” por seus colegas de empresa, com direito a bolo e festa de despedida.
A priori seria este o enredo do filme, que nos apresentariam então, um neurótico obsessivo e sua obsessão pelo cumprimento de regras, horários e arrumação.
Esta é a impressão dos primeiros minutos de filme. Tudo na vida de Otto é tão arrumado e parametrizado quanto seu nome. Otto soletra-se da mesma maneira, mesmo que de trás para frente.
Avançando um pouco mais na história ele planeja se matar. Faz todos os preparativos de maneira meticulosa. Até mesmo a compra da corda com a qual pretende se enforcar teve a exata medida em relação ao solo. Cancela as assinaturas de todos os serviços, como energia elétrica, aquecimento etc. O enforcamento foi um fiasco porque ele prende a corda no teto da casa, mas, a bucha não aguenta o peso e ele cai no chão. Temos o primeiro tema de extrema importância na trama, a questão do suicídio, nesse caso, pela absoluta falta de sentido na vida.
Em conjunto com o suicídio mal sucedido, muda-se para o condomínio um casal de imigrantes vindos do México. Marysol (Mariana Treviño) e John (John Higgins). Os novos vizinhos começam a demandar ajuda e a vida de Otto começa a mudar. Ele começa a se identificar com o casal que imigrou em busca de uma melhor condição social.
Começa uma amizade regada a frases repletas de um extremo mal humor. Mas, aos poucos Marysol vai entrando no mundo de Otto, e com extrema simpatia desmontando sua irritabilidade e rabugice. Otto ajuda reclamando e Marysol agradece Otto com sorriso e comidas típicas mexicanas.
É importantíssimo esse efeito na vida do depressivo que está a ponto de se suicidar.
Otto quer cometer o suicídio porque está de luto com o falecimento de sua esposa Sonia (Rachel Keller). Ele era extremamente feliz ao lado dela. Mas, com sua morte e aposentadoria ele se sente deslocado e perdido no mundo. Seu grande sonho então, era morrer para reencontrar a amada. E Marysol, mesmo sem saber, oferece o que chamamos de efeito sentinela na vida de Otto. Aquela pessoa que está sempre presente e fazendo com que o potencial suicida tire seu foco da morte. Entendo que seu nome tenha relação com a história do filme, pois, em um diálogo entre os dois, Otto diz que sua esposa Sonia veio trazer cor para sua vida, antes era tudo em preto e branco.
Esse contraponto de temperamento mais festeiro que os latinos têm coloca um pouco de desordem na arrumação de Otto. E ele começa a gostar disso, mesmo fazendo cara feia. As filhas de Marysol começam a chamá-lo de Abuello (Avô), e aparece até um gato, do qual Otto tenta se livrar, mas, que será seu fiel companheiro. Ele começa a ter uma utilidade na vida de alguém.
Mesmo assim, nos momentos de solidão, como Otto mora sozinho a ideia suicida reaparece. Depois de um momento de grande stress e numa discussão que envolveu Marysol, Otto se tranca em casa, enquanto Marysol fica batendo desesperadamente em sua porta. Ele tem uma segunda tentativa de suicídio. Desta vez, com uma arma de fogo que dispara e estraga uma parte do teto de sua casa. Ressalto a importância de não se ter armas de fogo em casa. Em momentos como esse é a ela que o suicida irá recorrer, não oferecendo nenhuma chance dos que estão à sua volta de socorrê-lo.
E neste momento entra na história um novo elemento e que faz com o que Otto mude de ideia de vez. Entra na trama o personagem Malcolm (Mack Bayda), que encontra Otto nas ruas do condomínio e disse conhecer sua falecida esposa. Que ela o acolheu na escola onde lecionava, ofereceu proteção contra bullying. O coração de Otto se enche de alegria e orgulho.
E o evento que sela de vez essa nova amizade coloca toda a necessidade de arrumação e controle de Otto por terra. O garoto aparece em sua casa numa noite muito fria e pede para dormir em seu sofá por conta de ter sido expulso de casa por seu pai. Otto não teve a oportunidade de ser pai, devido a um acidente que ocorreu numa viagem com sua esposa, deixando a mesma numa cadeira de rodas até o final de sua vida.
Esse é um outro evento importante, pois, o acidente que ocorreu com Otto e sua esposa foi em decorrência de uma falha de segurança. Isso parece disparar nele o gatilho do controle de regras, de manter tudo arrumado, tudo seguro.
Pois bem, Otto não pode ser pai e se vê agora na frente de um garoto, expulso de casa por seus pais por ser transgênero.
Um dos grandes desejos de Otto e sua esposa era o de ter filhos. Sua esposa perde o bebê no acidente. E ele guarda em sua casa um berço, que ele mesmo construiu para acolher a criança. Malcolm dorme na casa de Otto e os dois viram grandes amigos.
Foi uma grande mensagem que o filme trouxe, mais respeito, menos preconceito.
Otto reencontra Marysol. Neste encontro ela coloca Otto diante de uma realidade para a qual ele ainda não havia despertado. Ele é sempre útil as pessoas, mas, seu nível de autosuficiência nunca lhe permitiu enxergar que outras pessoas também podem ser importantes em sua vida. Marysol, que lhe era muito grata, queria estar mais presente em sua vida como modo de recompensá-lo pelas grandes ajudas que ele lhe deu. Os dois então, reatam a amizade.
Mas, nesse momento, Otto descobre o diagnóstico de uma síndrome cardíaca que vai enfraquecê-lo. Ao perceber o enfraquecimento constante, Otto começa a se preparar para encontrar sua amada. Toma providências legais e faz seu testamento.
Ainda teve tempo de ver o terceiro filho de Marysol nascer, aquele berço que ele construiu tinha agora um novo dono, e ele um título honorário de avô.
Antes de partir, Otto deixa uma carta repleta de gratidão a todas as pessoas que fizeram parte de sua vida, e deixa o dinheiro para Marysol, que esteve a seu lado nos momentos mais difíceis e quando a saúde realmente começou a faltar.
Dentro de todo esse drama conseguimos passar pelo luto, pela depressão, pela ideação e tentativas de suicídio, mas, também, passamos pela ressignificação do propósito da vida. Talvez seja esta a grande questão para aquele que tenta se matar, o fato de não encontrar propósito, sentido para estar aqui neste mundo.
Se você tem depressão procure ajuda. Se você é familiar de alguém que se encontra em depressão observe se não é momento de estar mais próximo, de chamar para sair, de conversar e de incentivar o depressivo a buscar ajuda.
O luto e a depressão são histórias de amor na qual o personagem principal, ao entrar em contato com a perda, não enxerga maneiras de estabelecer novos laços e conexões. Tudo fica sem cor, sem vida e literalmente em preto e branco.
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